terça-feira, 30 de agosto de 2011

A Poética Integrada de Chico Buarque[1]







Anazildo Vasconcelos da Silva

              A Poética Integrada compreende a produção lírica de Chico Buarque elaborada para cinema, espetáculos e shows de televisão, balé e teatro, ou seja, poemas que pressupõem uma proposição de realidade ficcional, fílmica ou teatral. Essa produção não difere criticamente da produção de motivação espontânea, são ambas líricas, pois, como afirmei antes, as peculiaridades da proposição de realidade pressuposta não interferem na natureza lírica do poema. Já disse também que o poema, sendo uma unidade e uma totalidade em si mesmo, rompe com os possíveis condicionamentos externos, é o que acontece com essa produção lírica integrada, que possui uma existência própria, uma vez que prescinde das fontes para ser compreendida. Por isso, os poemas integrados seguem o curso normal da lírica, figurando isoladamente em gravações e songbooks, indiferentes à existência da obra ou do espetáculo a que estão em princípio vinculados, incluindo as peças de autoria do próprio poeta, sozinho ou em parceria.  Trata-se de uma poesia lírica e não de uma poesia dramática, e a diferença entre as duas pode ser observada na peça Gota D’água, em que a poesia lírica está exemplificada nos poemas musicados que pressupõem a estrutura dramática e, portanto, se inserem na Poética Integrada (“Gota d’água”, “Basta um dia”, “Bem-querer”, “Sem açúcar”, etc.), enquanto a poesia dramática está exemplificada nos quase cinco mil versos rimados e metrificados que compõem as falas dos personagens.
         A peça foi propositalmente escrita em verso, de modo a identificar-se com a tragédia grega, mantendo a concepção formal da obra que lhe serve de modelo, a Medéia de Eurípides. Por outro lado, este exemplo de toda uma peça em versos, embora único, permite pensar que Chico Buarque decidiu ser compositor não apenas pelas injunções do projeto literário brasileiro, discutidas nos capítulos iniciais deste livro, mas também pela compulsão criativa de conjugar os talentos de músico e de poeta em um mesmo ato de criação. A prática separada talvez resultasse na redução de um em relação ao outro, o que não acontece com a criação vinculada em que a motivação lírica manifesta-se simultaneamente nas duas linguagens sob o mesmo diapasão criativo. Mesmo assim, considerando as parcerias, a presença do poeta na obra seria maior que a do músico, por isso, falei de dois talentos, já que trasladar a motivação criativa da música para o poema, considerando a natureza intuitiva do ato da criação, exige, no mínimo, uma apurada sensibilidade musical que faz do letrista um músico em potencial.
         É importante notar, todavia, que a Poética Integrada, estando vinculada à estrutura dramática da peça, sustenta o sentido trágico da ação dramática na tensão dialógica dos poemas, desempenhando uma função evidentemente dramática, mas sem perder sua natureza lírica. Ela interioriza a ação dramática nos poemas, mas não pode interferir no desenrolar do conflito que transcorre no âmbito da proposição de realidade teatral pressuposta. Não podendo suspender ou alterar o curso da ação dramática, a Poética Integrada projeta o sentido trágico do conflito imutável das personagens na tensão emocional das subjetividades líricas. Em Gota d’água[2], os autores utilizam a estrutura dramática de Medéia como forma de representação para um novo relato preenchimento, ou seja, de uma nova história, adotando, inclusive, como já mencionei, a forma poética do modelo, nomes originais de personagens, além de elementos estruturais da tragédia grega, como o Coro e o Corifeu. Através desse recurso, comum, aliás, na arte pós-moderna, a estrutura dramática da tragédia grega, imutável como o próprio destino inexorável, reproduz-se implacável no desenrolar da nova ação dramática, criando a dimensão trágica do novo relato preenchimento. O conflito da heroína em Gota d’água, diante da impossibilidade de alterar a realidade dramática da peça original, no âmbito da qual a nova heroína não pode atuar, não terá solução possível no curso da ação reproduzida na nova peça. Assim, esse conflito trágico consome-se em si mesmo, indiferente aos disfarces do novo relato preenchimento, como a troca de nomes, Medéia/Joana, e o deslocamento espaço-temporal da ação dramática.
            A Poética Integrada, interiorizando a ação dramática do relato preenchimento, vai reproduzindo a estrutura dramática originária na tensão emocional das subjetividades líricas como uma prédica oracular e, portanto, irrevogável. Assim, o destino trágico imutável de Medéia se reproduz irremediavelmente no conflito fatídico de Joana, alojando-se no fluxo da imagística poética que gera a tensão dialógica, e infiltrando-se, residualmente, no campo semântico da referencialidade sígnica, como o escoar célere do tempo e a sorrateira presença da morte nos poemas “Gota D’água” (“olha a voz que me resta/ olha a veia que salta/ pro desfecho da festa/ deixa em paz meu coração/ que ele é um pote até aqui de mágoas/ e qualquer desatenção, faça não/ pode ser a gota d’água”), “Basta um dia” (“pra mim/ basta um dia/ não mais que um dia/ um meio dia/ me dá/ só um dia/ e eu faço desatar/ a minha fantasia/ é só/o que eu pedia/ um dia pra aplacar/ minha agonia/ toda a sangria/ todo o veneno/ de um pequeno dia”), e “Bem-querer” (“e quando o seu bem-querer mentir/ que não vai haver adeus jamais/ há que responder com juras/ juras, juras, juras imorais/ há de me abraçar com a garra/ a garra, a garra, a garra dos mortais/ há de me rasgar com a fúria/ a fúria, a fúria, a fúria assim dos animais”), destacadamente nos sintagmas (“gota que falta/ o que resta/ o desfecho da festa/ basta um dia/ desatar a fantasia/ veia que salta/ toda a sangria/ todo o veneno/ abraçar com a garra dos mortais/ rasgar com a fúria dos animais”).
               A Poética Integrada, de acordo com a formulação aqui desenvolvida, tem, entre nós, sob o aspecto da autoria única, isto é, quando o autor da poesia integrada é o mesmo da estrutura dramática, Chico Buarque como seu principal representante, mas não o único, é claro. Antecedente consagrado é Orfeu da Conceição (1955) de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, também escrito em verso como a tragédia grega, em que os poemas interiorizam igualmente a ação dramática e reproduzem o destino imutável do Orfeu mítico no conflito trágico do Orfeu sambista, através da referencialidade do mito na imagística poética, sobretudo nas canções da subjetividade lírica do herói e nas falas do Coro e do Corifeu.
             Concluindo. A Poética Integrada, quando vinculada ao contexto da obra de que faz parte, interioriza a ação dramática e propaga o sentido trágico ou cômico do espetáculo na tensão emocional das subjetividades líricas, desempenhando uma inequívoca função dramática. Mas, quando desvinculada da representação simultânea com os textos originais, rompe, como qualquer poesia, com os possíveis condicionamentos externos da proposição de realidade pressuposta e insere-se naturalmente, sob o influxo do princípio estruturante da lírica buarqueana, no curso da produção lírica. Por isso, foi arrolada na formulação do projeto criativo sem nenhuma necessidade de distinguir, por exemplo, os poemas “Sem fantasia” e “Roda-Viva” que, embora integrem a estrutura teatral da peça Roda-Viva, em que exercem uma função dramática, quando vinculados ao princípio estruturante unificador da lírica buarqueana, não diferem dos demais, como “Realejo” e “A televisão”. A recíproca também pode ser verdadeira. Nada impede que Chico Buarque escreva uma nova peça, por exemplo, e insira alguns de seus poemas conhecidos na estrutura dramática, mesclados inclusive com outros novos criados especialmente para a nova peça. Assim, a Poética Integrada pode ser considerada uma obra independente, se configurada na unidade estrutural que lhe confere a proposição de realidade fílmica, teatral, etc. pressuposta, ou pode ser inserida naturalmente no curso da produção lírica, se considerada a partir da concepção de poesia e dos recursos poéticos que a vinculam ao projeto poético buarqueano. 
              Assim formulada, a Poética Integrada, reproduzindo uma estrutura dramática na imagística poética e na tensão dialógica das subjetividades líricas, constrói um referente poético intratextualizado que, para ser configurado, exige que seja tratada como uma obra em si mesma independente, destacada do conjunto da produção lírica.  Para uma operacionalização dessa Poética, farei uma análise do conjunto de poemas da peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra, vinculando os textos ao referente poético internamente elaborado, que, reproduzindo a estrutura dramática da peça, constrói, ao mesmo tempo, sua própria unidade estrutural.




[1] Ver o ensaio completo em SILVA, Anazildo vasconcelos da. Quem canta comigo: representações do social na poesia de Chico Buarque. Rio: Garamond, 2010.
[2] BUARQUE, Chico e PONTES, Paulo. Gota d`água. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. 







quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Chico: a obscura trama do novo cd de Chico Buarque



Anazildo Vasconcelos da Silva[1]


O poema é uma expressão subjetiva do eu-lírico que integra referencialmente a proposição de realidade pressuposta diante da qual o poeta reagiu. A proposição de realidade pressuposta na criação do poema é, em princípio, a mesma proposição de realidade histórica da experiência existencial do poeta, mas não obrigatoriamente. Compreende-se que ela deve ser sempre a proposição de realidade imediata do eu-lírico, para que ele possa reagir diante dela e integrá-la referencialmente na experiência lírica. Mas pode ser um segmento de realidade histórica ou ficcional, afastado no tempo e no espaço da proposição de realidade histórica imediata da experiência existencial do poeta. Por exemplo, as proposições de realidade diante da qual o eu-lírico reagiu, referenciada no poema "Cala a boca Bárbara"', segmento de realidade histórica do Brasil colonial do século XVII, e "Que será", segmento de realidade ficcional do romance "Dona Flor e seus dois maridos" de Jorge Amado, não coincidem com a proposição de realidade histórica imediata da experiência do poeta. Claro que é o poeta que elabora a matéria dos referidos poemas, mas, por uma exigência da mimese poética, ele terá de creditá-la às individualidades líricas que estão sincronizadas espacial e temporalmente com suas respectivas proposições de realidades, no âmbito das quais realizam suas respectivas experiências existenciais.
Compreende-se também, e de igual modo, que a proposição de realidade pressuposta, diante da qual o eu-lírico reagiu, referenciada nos poemas "A banda"', "Apesar de você" e "Essa moça tá diferente", por exemplo, era a mesma, no seio da qual o poeta realizava sua experiência existencial, mas que hoje constitui um segmento histórico de realidade consumado, espacial e temporalmente distanciado dele. Assim, as diversas proposições de realidade pressupostas referenciadas na expressão subjetiva do eu-lírico buarqueano são segmentos historicamente consumados da realidade brasileira, que o poeta pode acessar internamente, através da memória subjetiva de suas lembranças, ou externamente, através da memória poética do eu-lírico. Ou seja, elas podem constituir proposições de realidade pressupostas para nova criação lírica e, como todas elas, transfiguradas na criação artística, independem do tempo e do espaço, são ainda e sempre proposições de realidade imediatas da experiência do eu-lírico, sempre poderão ser referenciadas com outras, mescladas na expressão subjetiva do eu-lírico, inclusive com a imediata da experiência existencial do poeta.
No Chico, novo cd de Chico Buarque, Biscoito Fino 2011, identifica-se a proposição de realidade histórica atual, referenciada na instância discursiva do presente, que é a mesma da experiência existencial do poeta, por exemplo, a referência à internet e o registro linguístico “Tipo um baião”, “Você tipo que me adora/igual que nem/tipo assim num baião”; a proposição de realidade ficcional, referenciada na contextualização lírica[2] da situação existencial romanesca, em Nina, por exemplo. E a proposição de realidade lírica, referenciada na construção da imagística poética e dos diálogos do eu-lírico com a poesia. As proposições de realidade pressupostas para criação lírica, reproduzidas na referencialidade sígnica dos poemas, contrapostas e inter-relacionadas na expressão subjetiva do eu-lírico, reinscrevem-se na proposição de realidade histórica imediata do poeta, reciclando a experiência existencial de ser e estar no mundo.
A hibridação[3]poética das proposições de realidade na referencialidade sígnica dos poemas mescla as experiências líricas e romanescas na expressão subjetiva do eu-lírico, permitindo que o poeta vivencie sua experiência existencial de ser e estar no mundo no fluxo e refluxo (“Ondas que vêm/ondas que vão”) da memória poética, daí a trama memorável que, já indiciada nos registros (“Era o amor uma obscura trama”) e no título do primeiro poema Querido diário, vai se configurando na urdidura das lembranças espelhadas na imagística lírica dos diálogos amorosos do eu-lírico com suas musas, nos sete poemas seguintes, de “Rubato” a “Nina”, para ser explicitada de vez na hibridação discursiva da referenciação poética no penúltimo poema, Barafunda. E, como se não bastasse, a trama memorável se refaz metaforicamente em Sinhá, o último poema, reconstruindo a memória poética (“Cantor atormentado/ herdeiro sarará/ do nome e do renome/ de um feroz senhor de engenho/ e das mandingas de um escravo”) na contextualização lírica da memorialística brasileira (“E assim vai se encerrar/ o conto de um cantor/ com voz de pelourinho/ e ares de senhor”).
A memória poética, espelhada na urdidura das lembranças e esquecimentos contextualizados nos poemas, reproduz-se interativamente na nova interface lírica projetada na referencialidade espaço-temporal da proposição de realidade histórica imediata da experiência do poeta. A memória poética vem desarticulada nas lembranças e esquecimentos do eu-lírico que, debruçado sobre ela, transforma e reinterpreta as palavras e as imagens armazenadas no passado, para iniciar-se num novo tempo.  Os poemas, vias operacionais da interface lírica, disponibilizam os links de acesso à memória poética.
“Querido diário”: faz cinco registros autônomos, como se referisse cinco dias da semana, de segunda a sexta-feira, por exemplo, mas o fato que importa assinalar é que ao tornar público o seu “querido diário”, o poeta explicita sua intenção de compartilhar com o público suas lembranças memoráveis. Destacando cinco contextos de fala do eu-lírico no passado e no presente, evoca os poemas em que essas lembranças memoráveis estão registradas na memória poética de sua lírica. Por exemplo, no conjunto de poemas de Chico, os poemas “Rubato”, “Essa pequena”, “Tipo um baião”, “Se eu soubesse”, “Nina” e dezenas de outros do passado estão ligados à “obscura trama” amorosa do contexto de fala do tópico quarto, “Sem você 2” e outros do passado à ideia de transcendência do contexto do tópico três, e “Sinhá” e outros muitos do passado à violência do contexto de fala do tópico dois. “Querido diário”, além de um suporte de configuração rápida das lembranças memoráveis do poeta, guardadas na memória poética da lírica buarqueana, alerta para o fato de que os poemas estão integrados uns aos outros, e devem ser apreciados no âmbito da intertextualidade poética, e não apenas em relação ao universo sígnico particular de cada um.
“Rubato”, por exemplo. O poema faz o registro de criação de uma canção, que, reproduzindo-se nos três segmentos textuais que o compõem, evidencia a recriação da obra em diferentes contextos por outros autores, tipo assim “Construção”, reproduzindo-se metaforizada no processo de criação do poema. Mas a “nossa íntima canção” que, com notas trocadas, vai expor os segredos do compositor com sua musa nos trinados de um ladrão, audível nos primeiros acordes e nas vozes dialógicas dos primeiros versos (“Aurora, eu fiz agora/venha, Aurora, ouvir agora/ a nossa música”) não deixa dúvidas (“Estava à toa na vida/ o meu amor me chamou/ pra ver a banda passar”), é “A banda” a música roubada e recriada no poema. Desvinculada de seu contexto de criação (“a marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu/ a lua cheia que vivia escondida surgiu/ minha cidade toda se enfeitou/ pra ver a banda passar/ cantando coisas de amor”), vai ser polida, retocada “com maior talento”, e recriada num novo contexto de realidade, conformada aos novos meios tecnológicos de comunicação, para se espalhar pelo mundo (“já retoco os versos com maior talento/ dou um polimento e exponho na televisão/ o nosso amor/ a nossa íntima canção/ para uma audiência mundo afora”). E que dizer do apelo insistente do compositor (“Venha, Aurora, ouvir agora/ a nossa música/ Venha, meu amor, venha ouvir, Amora/ a nossa música/ Venha, meu amor, venha ouvir, Teodora”), que convida toda gente para despedir-se (“da dor/ pra ver a banda passar cantando coisas de amor”)? E, de roubo em roubo, torna-se patrimônio público no repertório erudito da música universal, (“O nosso amor/ nos rompantes de um tenor/que vai cantando com tremor/ a nossa música”).
O poema, demonstrando o passo a passo da atividade da memória do eu-lírico no processo da criação, aprimorando, transformando e reinterpretando o material que toma do passado, é um manual ilustrado de operacionalização da interface lírica para usuários.
Outro exemplo, “Essa pequena”.  O poema apresenta um diálogo do eu-lírico com a musa, em que a tensão dialógica se constrói a partir da contraposição dos contextos de fala do locutor, (“Meu tempo é curto/ meu cabelo é cinza/ meu dia voa/ vou até a esquina/ conto os meus minutos/ cada segundo que se esvai”), e do alocutário, (“o tempo dela sobra/o dela é cor de abóbora/ ela não acorda/ ela quer ir para a Flórida/ ela esbanja suas horas ao vento”).
A contraposição dos contextos manifesta a incompatibilidade dos interlocutores, gerando o conflito de continuidade do relacionamento do eu-lírico com sua musa (“Temo que não dure muito a nossa novela/ acho que nem sei direito o que é que ela fala/ sinto que ainda vou penar com essa pequena”). Mas a distensão lírica, com o deslocamento da instância discursiva para o contexto intimista de fala, reverte o efeito da descontinuidade, (“ Mas eu sou tão feliz com ela/ mas não canso de contemplá-la/ mas o blues já valeu a pena”), prologando indefinidamente a relação.
Interpretativamente, é possível relacionar a incompatibilidade contextual e o afastamento que dificulta o entrosamento do eu-lírico com sua pequena, com os cinco anos de afastamento do poeta do contexto da música popular e seu esforço para desligar-se da criação ficcional e voltar a compor. Assim posto, não há dúvida de que a musa com quem o eu-lírico dialoga, que, apesar de toda dificuldade de relacionamento e a incompatibilidade declarada, brindou o poeta com um blues, é a MPB. Por outro lado, a interface lírica do poema, espelhada na memória poética da lírica buarqueana, promove a interação dialógica da musa de “Essa pequena” com suas contemporâneas do mesmo Chico, e com suas outras ilustres e memoráveis antecessoras.
Por exemplo, a charmosa moça/MPB vanguardista de “Essa moça tá diferente”, de 1969: aqui também a contraposição dos contextos líricos/musicais de onde falam o locutor e o alocutário (“Eu cultivo rosas e rimas/ achando que é muito bom/ ela me olha de cima/ e vai desinventar o som/ faço-lhe um concerto de flauta/ e não lhe desperto emoção”) revela a incompatibilidade do eu-lírico com sua musa  (“Essa moça tá diferente/ já não me conhece mais/ está pra lá de pra frente/ está me passando pra trás”) gerando o conflito de relacionamento que a distensão lírica, deslocando a enunciação para o contexto intimista de fala, reverte o efeito da contraposição contextual indefinidamente (“Mas o tempo vai/ mas o tempo vem/ ela me desfaz/mas o que é que tem/se do lado esquerdo do peito/no fundo, ela ainda me quer bem”). E, de igual modo, interage dialogicamente com as musas que a precederam no espaço dentro/fora da janela lírica, como Carolina e Januária (“Essa moça é a tal da janela/que eu me cansei de cantar/e agora está só na dela/ botando só pra quebrar”) e, mais adiante, com sua sucessora, a musa/MPB de “Vitrines” de 1981, que já utiliza o recurso poético do espelhamento (“Já te vejo brincando, gostando de ser/ tua sombra a se multiplicar/ nos teus olhos também posso ver/ as vitrines te vendo passar/ passas sem ver teu vigia/ catando a poesia/ que entornas no chão”), que dialoga, por sua vez, com a garota/MPB de “Bolero blues” de 2006: (“Quando eu ainda estava moço/ algum pressentimento/ me trazia volta e meia/ por aqui/ talvez à espera da garota/ que naquele tempo/ andava longe, muito longe/ de existir/ mas aquela ingrata corre/ e a Barão da Torre e a Vinicius de Moraes/ são de repente estranhas ruas/ sem o seu vestido ficam nuas/ e ao vento eu digo/ -tarde demais/ Quando ela já não mais garota/ der a meia-volta/ claro que não vou estar mais nem aí”),  e a garota/MPB de “Bolero blues” interage dialogicamente com a pequena/MPB do blues de “Essa pequena” de 2011 (“Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas/ o blues já valeu a pena”), e as demais musas da MPB de Chico, pois (“Sem você/ é o fim do show”).
Se o poeta faz da memória poética a matéria dos poemas, com a intenção clara de atualizar sua obra no âmbito da imagem de mundo da primeira década do século XXI, referenciada suficientemente nos registros de fala, na modernidade tecnológica e na elaboração imagística, é lógico que ela seja, ainda que por vias diferentes, acessada por todos os poemas. De modo que, a análise poema a poema acumularia uma parcela de redundância operacional, roubando o espaço de outras considerações, inclusive das descobertas pessoais dos admiradores e estudiosos da obra de Chico Buarque. Assim, passo a sugerir apenas as vias de exploração dos outros poemas.
“Tipo um baião”: a contrapartida de sacrifício compensatória do blues do poema anterior (“Sinto que ainda vou penar com essa pequena”), motiva o eu-lírico a buscar (“a essa hora”), em (“Outra história de amor”), a musa consoladora que (“Somente agora você vem/para enfeitar minha vida”). É a musa de um romance (“Tipo festa sem fim”), para a “vida inteira”, que o eu-lírico conhece bem, pois sabe que ela não está vinculada ao canto dessa hora (“Fui cantar para você a essa hora/ logo você/ que ignora o baião”), e também que ela o desculpa pelo canto fora de hora (“me adora mesmo assim/ meio mané, por fora”), pois ela o sabe vadio desde sempre no diálogo memorável de “Sem Fantasia”, (“Vem meu menino vadio/vem, mas vem sem fantasia/ vem, por favor não evites/ meu amor, meus convites/ que eu te quero tolo/ te quero todo meu”) - (“Ah, eu quero te dizer/ que o instante de te ver/ custou tanto penar/ que eu vim pra não morrer/ de tanto te esperar”), que se faz e se refaz na contraposição dialógica da lembrança’ (“E ainda tem/ em saraus ao luar/ o meu coração/ que você sem pensar/ ora brinca de inflar/ ora esmaga/ como fole de acordeão/ num baião do Gonzaga”).
 “Se eu soubesse”: assinala a presença do eu-lírico feminino na trama memorável de Chico, posicionando-se criticamente, por e em si mesma, na intertextualidade dialógica dos poemas, tornando sua enunciação um instrumento de avaliação dos contextos de fala do eu-lírico.
O poema, composto de dois blocos simétricos, cada um com duas estrofes de cinco e uma de dois versos, dispõe a instância enunciativa numa estrutura lógico-reflexiva (“Ah, se eu soubesse/Ah, se eu pudesse/mas acontece”), suporte formal de que a locutora se serve para promulgar uma declaração peremptória sobre sua relação com o alocutário, compatibilizando sua natureza feminina com o envolvimento lírico da musa.
A interjeição “ah”, num breve suspiro de desejo, situa a locutora no contexto de fala do presente, mas logo ela se desloca para o contexto externo de fala do passado “se eu soubesse”, para referir as ações de realização do seu desejo (“não andava na rua/ perigos não corria/ não tinha amigos, não bebia, já não ria à toa/ não ia enfim/ cruzar contigo jamais”). Outro suspiro de desejo “ah”, igualmente breve, a traz de volta ao contexto de fala do presente para, em seguida, retornar ao contexto interno de fala do passado “se eu pudesse” e referir as ações decisivas para a satisfação do seu desejo (“te diria, na boa/ não sou mais uma das tais/ não vivo com a cabeça na lua/ nem cantarei: eu te amo demais/ casava com outro se fosse capaz”). Ela retorna, em seguida, para reverter o contexto de fala do passado no do presente “Mas”, referindo a única ação que, iniciada e concluída no passado, à revelia de seu desejo, “Acontece que eu saí por aí”, condiciona, desde então, o seu envolvimento com o alocutário “E aí, larari, larari”.
No segundo bloco, estruturado simetricamente em relação ao primeiro, tudo acontece tal e qual em relação à alternância dos contextos externo e interno do passado e a reversão deles no presente “Ah, se eu soubesse nem olhava/ ah, se eu pudesse não caía/ mas acontece que eu sorri para ti”, validando a declaração da musa (“E aí, larari, lairiri, por aí”).
Metaforizado no processo de criação, o diálogo construído no poema formula a concepção de que a poesia, embora imperceptível no sentido conceitual aprisionado na linguagem, está em tudo e em toda parte, e emana do silêncio das coisas, das situações e dos contextos naturais e humanos, mas só poeta está intuitivamente predestinado a manifestá-la no mundo. Por isso, a musa do poema fica vulnerável diante dele, não consegue resistir à atração intuitiva que a cativa, e não tem como fugir, pois ele está motivado a procurar por ela em todos os lugares e por toda a sua vida, tentando colher sua enunciação em palavra, imagem e gesto no poema, mas sem conseguir capturá-la em seu poder de silêncio e emanação. Daí que, para não cruzar nem sonhar com o alocutário do poema, a locutora não poderia, por exemplo, (“andar na rua, correr perigo, ter amigos, beber, rir à toa, olhar a lagoa, ir à praia, gingar a saia, dormir nua”), pois estes são os contextos de fala onde o poeta a encontra desde sempre, de “Com açúcar e com afeto” até “Tipo um baião”.
Por fim, a declaração da musa não deixa dúvidas, poeta e poesia estão irrevogavelmente vinculados um ao outro desde os tempos imemoriais da criação, confirmando a contraposição do eu-lírico com a musa na tensão dialógica dos poemas anteriores.
“Sem você 2”: está vinculado ao contexto de fala da transcendência do “Querido diário”, inerente à ideia de elevação espiritual (“Hoje pensei em ter religião/ de alguma ovelha talvez, fazer sacrifício”), mediante a sublimação da relação amorosa (“por uma estátua ter adoração/ amar uma mulher sem orifício”). 
O poema configura um diálogo do eu-lírico com uma musa que, pela referência ao “Sem você” de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, e pela citação no verso “As suas músicas você levou”, identifica-se com a MPB. A tematização da transcendência já se fazia presente nos diálogos do eu-lírico com a musa nos poemas anteriores, configurada no afastamento consciente do eu-lírico, decorrente da incompatibilidade dos contextos de fala dos interlocutores, e também em “Nina”, no deslocamento evasivo para a realidade ficcional, em busca da musa romanesca. Mas, em “Sem você 2”, o sentido de transcendência está vinculado à conscientização e aceitação da ausência, pois, na verdade, o eu-lírico dialoga com ausência da musa, e não com ela mesma. Na primeira estrofe, o contexto de fala do eu-lírico integra a constatação da ausência da musa (“Sem você/ É o fim do show”), colocando-o diante de uma situação irremediável “(tudo está claro, é tudo tão real/ as suas músicas você levou”) em que não cabe apelação (“mas não faz mal”).
Nas duas estrofes seguintes, a situação de ausência se impõe “Sem você/pois sem você” e a fala do eu-lírico emerge do vazio interiorizado (“dei para falar a sós/ se me pergunto onde ela está, com quem/ respondo trêmulo, levanto a voz”) e exteriorizado da ausência, “o tempo é todo meu/ passo o domingo olhando o mar/ ondas que vêm/ ondas que vão”, carecendo de apelo “mas tudo bem”. Na última estrofe, o eu-lírico, deslocando a instância enunciativa do contexto da ausência da musa para o contexto do silêncio da ausência “Sem você/ é um silêncio tal/ que”, insere no contexto mediato da transcendência “eu ouço uma nuvem vagar no céu”, o contexto imediato da experiência subjetiva “ou uma lágrima cair no chão”, que, contrapostos no efeito sinestésico de audição da imagem e da alternativa conjuntiva “ouço uma nuvem ou uma lágrima”, polarizam o eixo transcendental (“no céu” / ”no chão”).
A via de conscientização da ausência da musa não integra o enfrentamento da separação “Mas não faz mal/mas tudo bem/mas não tem nada, não”, evitando assim a angústia da transcendência. Porém, a aceitação, sem qualquer questionamento da inexorabilidade da situação, não traz o conforto da paz, mas a melancolia da conformação. O efeito melancólico da conformação está configurado em todos os poemas e amplificado na estrutura melódica das canções, que, com os demais recursos musicais da mescla de gêneros e ritmos, integra o significante do signo poético. Metaforizado na relação do poeta com a MPB (ou poesia), fica claro que o poeta tem consciência da transcendência, e percebe que, na incompatibilidade dos contextos de fala, está implícito o deslocamento da motivação lírica para o contexto metafísico da transcendência, mas o poeta evita o enfrentamento da questão, opondo-lhe o beneplácito efeito da resignação.
“Sou eu”: como a voz da mulher em “Se eu soubesse”, a voz do malandro também tinha que emergir no espelhamento da memória poética, pois foi a partir da raiz mítica do sambista/malandro, que o eu-lírico integrou os referenciais simbólicos da malandragem na construção da subjetividade lírica, desde quando era “sem compromisso/ sem relógio e sem patrão”. E “eis o malandro na praça outra vez”, só que, ainda mais malandro na arte da sedução, deu um polimento caprichado na imagem desgastada pelas “más línguas” e pronto, volta a mandar no samba desde sempre, cabendo-lhe, por honra e graça, a façanha de apagar a brasa e levar a moça pra casa.
“Nina”: é a musa romanesca da proposição de realidade ficcional. Diferente do poeta, o romancista cria uma proposição de realidade ficcional, ou seja, uma moldura do mundo de realidade, elaborada referencialmente, no seio da qual insere uma situação existencial imaginária, isto é, criada pela imaginação.  Essa moldura de mundo pode ter representação histórica ou não, isto é, pode ser documental, mencionando nomes reais de cidades, bairros, ruas e demais logradouros públicos, de casas de espetáculos, de peças literárias, registro de datas e eventos, ou mesmo basear-se num fato histórico, de modo a tornar o trajeto dos personagens reconhecível, mas pode, também, simplesmente não mencionar nome algum ou, até mesmo, inventá-los. Na narrativa moderna e pós-moderna a moldura de mundo tem representação histórica acentuada, daí a denominação crítica de ficção ensaística de natureza histórica, biográfica, etc. Todavia, por mais que as personagens de ficção possam transitar pelas ruas e cidades do mundo, frequentando os mesmos lugares, fazendo as mesmas coisas e o mesmo trajeto que nós, isso não as torna seres reais, porque elas são seres imaginários, criados por um processo que imita o processo de criação dos seres humanos.
Nina é uma musa romanesca, que vive uma situação de realidade imaginária no mundo da ficção, que é outro mundo, apartado do mundo da experiência histórica do poeta, por onde transitam suas musas inspiradoras. A “tela” pode mostrar sua     localização geográfica e até mesmo o seu endereço, mas não sua imagem, que é imaginária e só pode ser vista na imaginação do autor ou do leitor. Nina escreve cartas, e, embora a barreira instransponível que separa os dois mundos, o de realidade e o ficcional, sonha em conhecer o poeta. Mas não existe barreiras no tempo e no espaço para o eu-lírico que, referenciando a proposição de realidade ficcional da experiência imaginária, raptou a musa do mundo ficcional numa valsa russa, para compartilhar a janela lírica das musas poéticas da MPB, conhecer o poeta e dialogar com suas antecessoras. E toda vez que a valsa toca, ela interrompe alguma carta, e vem.
“Barafunda”: memória é uma reconstrução do passado no presente, um projeto de eliminação, transformação e reinterpretação das palavras e imagens armazenadas, para anunciar um novo tempo. O poema configura essa atividade da memória sobre o passado e, recolhendo a mescla desordenada de lembranças e esquecimentos da memória poética, faz o resgate do que é memorável, ou seja, das lembranças que engendram o novo tempo, deixando no esquecimento aquelas consumadas no passado. Por exemplo, na reconstrução memorável das décadas de 1960 e 1970, o poema retoma a interface lírica e apaga as vias verbais e imagísticas de acesso às lembranças não memoráveis, que o poeta diz ter gravado na memória, mas esqueceu da senha. É que a única forma dessas experiências consumadas contribuírem no presente para a fundação de um novo tempo é ficar no esquecimento. Só as experiências do passado que, espelhadas na construção das lembranças memoráveis, (“Salve o dia azul/ salve a festa/ e salve a floresta, salve a poesia/ e salve este samba/ a vida é bela”) apontam um direcionamento para a experiência coletiva, adequado às sinalizações do novo tempo (“É Garrincha, é Cartola e é Mandela”), devem ser inoculadas no presente, (“antes que o esquecimento/ baixe seu manto cinzento”). O poema é, simultaneamente, uma celebração, um rito de passagem, e uma festa de iniciação do novo tempo que se anuncia.
“Sinhá”: Não basta deixar no esquecimento da memória poética as lembranças conflituosas da experiência consumada do passado, e perder a senha, pois elas são lembranças atávicas, vinculadas ao legado ancestral de fundação da identidade cultural de povo e nação, e podem ser acessadas de fora, diretamente da interface matricial. O poeta constrói sua identidade lírica na contraposição das lembranças originárias, assumindo, dessa forma, a herança conflituosa da hibridação cultural, daí o cantor (“com voz de pelourinho/ e ares de senhor”). Para lançar as lembranças atávicas no esquecimento da memória poética, o poeta reinterpreta e transforma o legado ancestral da hibridação cultural originária, para consumar o “Conto” do “cantor atormentado”.
Reagindo diante da proposição de realidade primordial das representações socioculturais, referenciada no contexto de fala do presente pela plasticização da cena de crueldade do escravo no tronco, o eu-lírico retoma do passado o substrato cultural de hibridação de sua identidade, (“herdeiro sarará”) do (“nome e do renome/ de um feroz senhor de engenho”) e das (“mandingas de um escravo/ que enfeitiçou Sinhá”), e refunde os referenciais históricos e simbólicos de sua cosmologia na contextualização lírica da memorialística brasileira, para deixar no esquecimento das lembranças memoráveis do presente, o “conto” consumado do cantor atormentado “Com voz de pelourinho/ e ares de senhor” do passado.
Chico Buarque reflete sobre o passado armazenado na lírica buarqueana, reinterpretando e transformando a matéria histórica, política e social do Brasil contextualizada em sua obra a partir da década de 1960, quando estreia na MPB, até o presente, construindo na urdidura das lembranças memoráveis de sua experiência existencial, um memorial lírico da realidade brasileira e do mundo. As memórias, como manifestações do gênero ensaístico, não são um mero registro de um amontoado de lembranças e acontecimentos armazenados no passado, mas uma atividade rememorativa do sujeito sobre esse passado tomado como objeto de sua reflexão. A atividade da memória consiste em destruir, reinterpretar e transformar contextos, imagens e palavras do passado, para inaugurar um novo tempo no presente, sinalizando um novo começo pessoal e coletivo para a construção do futuro desejado. É o que faz o poeta na construção da memória lírica, ao retomar a matéria histórica, social e política armazenada na memória poética para reinterpretar e transformar o legado de sua obra, construindo e desconstruindo o passado na urdidura interna de lembranças e esquecimentos. Por isso, no processo de construção e desconstrução das lembranças, reproduzido discursivamente em “Barafunda”, (“era isso... não, era aquilo... ou era isso... não, é aquilo”), o legado lírico integra as lembranças memoráveis no presente e as imemoráveis no esquecimento. As lembranças do contexto de violência, particularmente das décadas de 1960 e 1970, ficaram alojadas no esquecimento da memória poética, e as vias de acesso a partir do “Querido diário”, (“Hoje a cidade acordou toda em contramão/ homens com raiva, buzinas, sirenes, estardalhaço”), que sinalizam os conflitos de rua do passado, (“De volta a casa na rua recolhi um cão/ que de hora em hora me arranca um pedaço”), foram apagadas no “conto” do (“Cantor atormentado/ o herdeiro sarará”), consumado no contexto ancestral de violência de “Sinhá”.
Mas não se trata da construção ensaística das memórias de Chico Buarque, um testemunho pessoal sobre o segmento histórico de sua experiência de realidade, e sim da construção poética das memórias do eu-lírico, ou seja, um depoimento do poeta sobre sua obra. Fazendo da memória poética a matéria dos dez poemas de Chico, o poeta reinterpreta e transforma imagens, palavras, gêneros musicais e formas artísticas, reciclando os múltiplos sentidos de sua obra, para inaugurar um novo desdobramento do seu projeto poético de criação.   
Por fim, o efeito da hibridação dos contextos de fala do eu-lírico, dos gêneros e ritmos musicais reinscreve, na urdidura memorável das lembranças, o silêncio da ambiguidade poética, e do silêncio emerge a enunciação poética das múltiplas vozes que fazem as representações do social na lírica buarqueana, num concerto memorável do coro lírico para uma audiência em estado de graça. 




[1] Anazildo Vasconcelos da Silva é professor da UFRJ, crítico e ensaísta conhecido dentro e fora do Brasil, autor de vários livros, dentre os quais A poética de Chico Buarque. Rio: Sophos, 1974, e Quem canta comigo: representações do social na poesia de Chico Buarque. Rio: Garamond, 2010.
[2] Não há narrador nem relato narrativo, mas contextualização lírica, já que a proposição de realidade ficcional está pressuposta e integrada na expressão subjetiva do eu-lírico. A formulação teórica que distingue relato narrativo e contextualização lírica da proposição de realidade pressuposta está em: SILVA, Anazildo Vasconcelos da. Quem canta comigo: representações do social na poesia de Chico Buarque. Rio: Gamond 2010.
[3] Recurso poético inerente ao princípio mimético de criação da lírica pós-moderna. A formulação teórica da hibridação lírica está em: SILVA, Anazildo Vasconcelos da. e RAMALHO, Christina. História da epopeia brasileira, v. 1. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.